COMO QUALQUER ADOLESCENTE brit\u00e2nica nos anos 1980, Kate Raworth compreendia o mundo principalmente pelas imagens do notici\u00e1rio televisivo. Sua mem\u00f3ria guardou cenas como as das crian\u00e7as et\u00edopes raqu\u00edticas por causa da fome, das fileiras intermin\u00e1veis de mortos ap\u00f3s o vazamento de um g\u00e1s t\u00f3xico na \u00cdndia, em 1984, e do derramamento de petr\u00f3leo da Exxon nas \u00e1guas l\u00edmpidas do Alasca, em 1989. Na \u00e9poca, ela j\u00e1 estava certa de que militaria pelas causas ambientais e pela erradica\u00e7\u00e3o da pobreza. Mas suas a\u00e7\u00f5es s\u00f3 seriam efetivas, pensava, se conseguisse propor alternativas ao modelo econ\u00f4mico vigente \u2013 o paradigma neoliberal, fortemente propagandeado pela mesma m\u00eddia que, ironicamente, noticia suas tr\u00e1gicas consequ\u00eancias.<\/p>\n\n\n\n

Tr\u00eas d\u00e9cadas depois, o nome de Kate Raworth vem sendo requisitado por governos do mundo inteiro. Motivados pela crise imposta pela pandemia do coronav\u00edrus, esses lugares sentiram a urg\u00eancia de reformular a l\u00f3gica da vida urbana e a rela\u00e7\u00e3o com o meio ambiente e viram em Raworth parte da resposta.Assine nossa newsletterConte\u00fado exclusivo. Direto na sua caixa de entrada.Eu topo<\/a><\/p>\n\n\n Tooltip on top\n<\/button>\n\n\n\n

Formada em economia pela Universidade de Oxford, com experi\u00eancia trabalhando em miss\u00f5es de campo pela Organiza\u00e7\u00e3o das Na\u00e7\u00f5es Unidas, uma d\u00e9cada de trabalho na Oxfam<\/a> e dezenas de viagens pelos cantos mais rec\u00f4nditos e subdesenvolvidos do planeta, Raworth lan\u00e7ou uma teoria econ\u00f4mica que, em 2011, desafiou os mantras ortodoxos da \u00e1rea e, em 2017, virou o livro \u201cEconomia Donut: uma alternativa ao crescimento a qualquer custo\u201d<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

Na obra, a autora ressalta as limita\u00e7\u00f5es das doutrinas econ\u00f4micas cl\u00e1ssicas e defende a ado\u00e7\u00e3o de uma nova abordagem, pr\u00f3pria do s\u00e9culo 21, que perceba as interconex\u00f5es dos fluxos produtivos, sociais e ecol\u00f3gicos. O argumento central de Raworth \u00e9 que precisamos esquecer o crescimento do PIB<\/a> enquanto medidor da prosperidade humana. Afinal, n\u00e3o adianta ter uma economia global que cres\u00e7a 3% ao ano <\/a>e chegue ao triplo at\u00e9 2050, se um bilh\u00e3o de pessoas no mundo vive com no m\u00e1ximo tr\u00eas d\u00f3lares por dia<\/a>, 68 milh\u00f5es de jovens n\u00e3o conseguem emprego, a \u00e1gua acabar para dois ter\u00e7os da humanidade<\/a>, lixo pl\u00e1stico superar o n\u00famero de peixes nos oceanos<\/a> ou se a temperatura m\u00e9dia da Terra aumentar 4\u00b0C at\u00e9 o final do s\u00e9culo.<\/p>\n\n\n\n

No lugar do crescimento do PIB, Raworth sugere um diagrama que, \u201cpor mais rid\u00edculo que possa parecer, ficou semelhante a um donut, daqueles com um furo no meio\u201d, escreveu ela no livro de 2017. O donut representa a faixa circular na qual as necessidades humanas e o meio ambiente podem conviver em equil\u00edbrio. Para fora dessa faixa, est\u00e3o os exageros da humanidade quanto ao uso de recursos naturais. Para dentro da faixa (o buraco), est\u00e3o as crises humanit\u00e1rias e a escassez de recursos. J\u00e1 a superf\u00edcie da rosquinha \u00e9 onde est\u00e1 o equil\u00edbrio socioambiental, e onde devemos ficar, n\u00e3o caindo para fora, nem para dentro.<\/p>\n\n\n\n

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